Uma técnica de tortura chocante, na qual os dedos das mãos de pessoas encarceradas são intencionalmente fraturados, tem sido utilizada em várias unidades prisionais brasileiras, revelou o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Segundo o órgão, essa prática ilegal foi identificada em cinco estados: Rio Grande do Norte, Ceará, Roraima, Amazonas e Pará. O MNPCT aponta a Força Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), vinculada ao Ministério da Justiça, como responsável por disseminar essa forma cruel de castigo.
A coordenadora do MNPCT, advogada Carolina Barreto Lemos, ressaltou que a prática de fraturar dedos é completamente ilícita e configura um crime de tortura, uma vez que é uma forma de punição ilegítima e injustificada além da própria privação de liberdade imposta aos detentos. Segundo ela, essa técnica está completamente fora dos padrões de uso proporcional da força.
A FTIP, liderada por policiais penais federais, foi criada com o objetivo de resolver crises, motins e rebeliões, além de manter a ordem e disciplina nos sistemas prisionais. Essa força-tarefa foi empregada pela primeira vez no país em 2017, na Penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, após uma crise que resultou na morte de 26 presos.
Carolina Lemos destacou a declaração de Mauro Albuquerque, apontado como um dos mentores da técnica de fraturar dedos, durante uma audiência pública na Câmara Municipal de Natal (RN) em 2017. Segundo o relatório produzido pelo MNPCT em 2019, Albuquerque defendeu essa ação, alegando que ela impede que os presos tenham força para atacar agentes penitenciários.
Além das intervenções diretas em crises, a FTIP também realizou treinamento de policiais penais nos estados, o que resultou na repetição das ocorrências além da atuação da própria força-tarefa, revelou a coordenadora do MNPCT. Em uma visita realizada no final do ano passado, o MNPCT identificou novamente a técnica de fraturar dedos sendo usada no Rio Grande do Norte, onde ocorreu o treinamento da FTIP.
A prática de tortura, em geral, ainda persiste no Brasil e está estruturalmente presente no sistema prisional, afirmou Carolina Lemos. Ela destacou a importância de um controle externo efetivo para prevenir essas práticas e ressaltou o papel dos Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura, tanto no âmbito nacional quanto nos estados, que devem realizar visitas regulares, produzir relatórios e fazer recomendações às autoridades.
No Ceará, a presidenta do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT), Marina Araújo, confirmou que a técnica de fraturar dedos não é uma ocorrência isolada no estado e que a tortura é um padrão sistemático nas unidades prisionais cearenses há alguns anos. Um ofício enviado recentemente ao governo do Ceará denunciou 33 casos de tortura no período de um ano, além de 26 mortes de internos e cinco suicídios de agentes penais.
Marina destacou a falta de transparência do governo estadual em relação aos dados sobre tortura e mortes no sistema prisional. Segundo ela, os números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divergem dos apresentados pelo governo, evidenciando problemas na divulgação e acesso às informações.
Tanto o governo estadual quanto o governo federal estão sendo questionados sobre essas práticas de tortura. A Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização do Ceará (SAP) negou as acusações e afirmou que o sistema prisional cearense é referência nacional em ressocialização e segurança. Já a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) informou que está apurando as denúncias por meio da Corregedoria-Geral, mas até o momento não foram encontradas evidências de tortura.
Diante desse cenário alarmante, especialistas enfatizam a necessidade de um trabalho sistemático e qualificado de prevenção e combate à tortura, com ações de fiscalização, investigação, responsabilização dos envolvidos e garantia de reparação às vítimas e suas famílias. É fundamental fortalecer os órgãos de controle e fiscalização, além de criar mecanismos efetivos de transparência e acesso à informação. Somente assim será possível combater a cultura de tortura que persiste nas unidades prisionais brasileiras.