Era um dia qualquer no Supremo Tribunal Federal (STF), quando os olhares se voltaram para um embate jurídico que poderia redefinir o destino de comunidades indígenas em todo o Brasil. O cerne da questão era o “marco temporal”, uma tese jurídica que poderia mudar drasticamente o modo como os povos indígenas reivindicam seus territórios ancestrais.
O que é o Marco Temporal
O marco temporal, segundo essa tese, restringe os direitos territoriais dos povos indígenas apenas às terras que ocupavam ou disputavam até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa controvérsia surgiu em 2009, durante a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, e desde então tem se tornado uma batalha feroz entre os povos originários e aqueles que buscam avançar sobre suas terras.
Em foco, está o caso da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, em Santa Catarina, onde os indígenas Xokleng e agricultores disputam acirradamente uma área de cerca de 80 mil m². O governo de Santa Catarina argumenta que essa terra não estava ocupada em 1988, tentando validar o marco temporal. Já os Xokleng alegam que foram expulsos de suas terras, portanto, o critério não se aplicaria a eles.
Essa decisão sobre Ibirama-Laklãnõ pode criar um precedente poderoso, afetando mais de 80 casos similares e mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas em andamento. Se o STF validar o marco temporal, a proteção territorial dessas comunidades ficaria comprometida, e muitos territórios poderiam ser alvo de interesses econômicos, como o mercado imobiliário, em detrimento da preservação cultural e ambiental desses povos.
Defensores do marco temporal, como o ministro Nunes Marques, afirmam que essa medida é necessária para evitar uma “expansão ilimitada” das terras indígenas e garantir a segurança jurídica nacional. Argumentam que a posse tradicional não pode ser confundida com posse imemorial e que a demarcação deve ter limites para evitar conflitos intermináveis.
Por outro lado, representantes dos povos indígenas veem o marco temporal como uma ameaça à sua sobrevivência e às florestas que dependem de suas práticas sustentáveis. Eles alertam que a tese poderia gerar um verdadeiro caos jurídico no país, com revisões de reservas já demarcadas e conflitos em áreas antes pacificadas.
O ministro Edson Fachin, relator do caso, foi contundente em sua oposição ao marco temporal. Para ele, a proteção dos direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras não pode depender de uma data específica ou de conceitos como “esbulho ancestral”. Ele reforçou que a Constituição reconhece que esses direitos são anteriores à própria formação do Estado, não podendo ser anulados por normas posteriores.
Além disso, Fachin destacou que o procedimento demarcatório não cria terras indígenas, apenas as reconhece como parte de uma realidade histórica e cultural. Rejeitar esse reconhecimento seria um retrocesso para a proteção dos povos originários e uma violação de seus direitos constitucionais.
Enquanto os argumentos se chocam no STF, a ansiedade entre as comunidades indígenas aumenta, e o futuro de seus territórios ancestrais permanece incerto. O resultado dessa batalha judicial pode representar um divisor de águas na história do reconhecimento dos direitos indígenas no Brasil, com consequências profundas para a preservação de suas culturas e modos de vida. Resta agora aguardar o desfecho e torcer para que a justiça prevaleça, respeitando os povos que há milênios cuidam e protegem as riquezas naturais deste vasto país.