Amparado por um habeas corpus, o tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, decidiu não responder aos questionamentos dos membros da CPMI do 8 de Janeiro. Por mais de oito horas de inquirições e trajando a farda do Exército, o militar repetiu diversas vezes, na reunião desta terça-feira (11), que recorreria ao direito de permanecer em silêncio já que é alvo de oito investigações por parte do Poder Judiciário, principalmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
No entanto, afirmou que não tinha nenhuma ingerência em demandas encaminhadas a ele pelo presidente e seu entorno, declarando que, no trabalho de ajudante de ordens, não tinha qualquer poder de decisão. Mauro Cid se calou sobre supostas conexões com participantes dos ataques ou com os financiadores dos atos golpistas.
Ele está preso desde o dia 3 de maio, acusado de fraudar cartões de vacinação. Entre os inquéritos a que responde, estão os que se referem à possível participação na articulação golpista e na invasão das sedes dos Poderes da República, em Brasília.
Mauro Cid usou seu tempo para falar sobre a sua trajetória nas Forças Armadas. E disse que, durante os quatro anos em que exerceu o posto de ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, apenas cumpria atividades de assessoramento e secretariado executivo, sem qualquer ingerência em decisões.
— Não estava na minha esfera de atribuições analisar propostas, projetos ou demandas trazidas pelos ministros de Estado, autoridades, e demais apoiadores. Ou seja, não participávamos das atividades relativas a gestão pública — disse.
Financiadores
Uma das linhas de investigação defendida pela relatora é a identificação dos financiadores dos ataques no dia 8 de janeiro. Mauro Cid não quis afirmar, após pergunta da relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), se conhece Paulo Roberto Cardoso e Sandro Roberto Rocha, que também integravam a equipe da Presidência da República.
A relatora disse ter obtido dados segundo os quais os dois citados teriam relação familiar com sócios da empresa Cipal, instituição que, de acordo com a senadora, recebeu empréstimos de R$ 22 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para aquisição de caminhões. Eliziane informou que esses mesmos caminhões teriam sido identificados dentro do acampamento em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília.
— Nós temos uma empresa que recebe recurso público da ordem de R$ 22 milhões, compra dez caminhões e coloca no acampamento aqui de Brasília. E […] de lá saiu todo o planejamento para a invasão das sedes dos Três Poderes. E também de lá saiu o planejamento para o ato terrorista cujo o objetivo era a explosão de um carro-bomba — afirmou Eliziane.
Visitas
Eliziane Gama também questionou o depoente sobre fatos que envolvem essas investigações como, as motivações para a suposta fraude nos cartões de vacinação do ex-presidente e seus familiares e sobre as trocas de mensagens com Jean Lawand Júnior, coronel do Exército, que sugeria pedido de apoio a uma intervenção das Forças Armadas contra o resultado das eleições de 2022.
A senadora perguntou ainda porque integrantes do governo passado foram visitá-lo na prisão, como o ex-ministro da Saúde e deputado federal Eduardo Pazuello. Ainda assim, Mauro Cid seguiu sem responder.
— O senhor tem filhos, tem uma esposa, o senhor tem um pai com uma carreira militar irretocável, o senhor tem uma caminhada dentro das Forças Armadas que fatalmente chegaria a ser general, que é o sonho de qualquer membro da carreira militar hoje no Brasil. E ao mesmo tempo o senhor está aqui na CPMI, num cenário que nenhum brasileiros queria estar. Respondendo por crimes que possivelmente não foi o senhor que cometeu. Mas que o senhor pode ter sido levado por alguém que pediu que você cometesse esses atos criminosos — disse Eliziane.
Mensagens
Parlamentares lembraram que Mauro Cid também foi designado a executar tarefas que, na avaliação deles, indicavam “relação íntima” e de confiança com o ex-presidente da República. Eles consideraram, entre as evidências, as tentativas de recuperar as joias sauditas apreendidas no aeroporto de Guarulhos (SP). Além disso, os integrantes da base do governo insistiram em saber detalhes sobre as trocas de mensagens, encontradas pela Polícia Federal, no celular do militar.
— A relação de Mauro Cid era uma relação muito próxima com o ex-presidente Bolsonaro. Portanto, ao longo dos quatro anos de governo ele não participou só dos eventos que levaram ao 8 de Janeiro (…). Vossa senhoria era responsável por todas as operações e era chefe de comando das ordens do ex-presidente Bolsonaro. Portanto, tudo o que você […] agiu para produzir veio por ordem do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro — disse o senador Rogério Carvalho (PT-SE).
Ordens
Diante da negativa em responder qualquer pergunta, até mesmo sobre assuntos alheios aos fatos que poderiam incriminá-lo, os parlamentares governistas pediram que a presidência da CPMI, deputado Arthur Maia (União-AL), encaminhe denúncia ao STF por descumprimento da decisão proferida pela ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia. De acordo com a magistrada, o depoente deveria silenciar apenas em situações que pudessem produzir provas contra ele. O pedido foi aceito e será encaminhado ao STF pelo presidente da CPMI.
Para os governistas, Mauro Cid teve participação ativa nos fatos centrais que instigaram os oito inquéritos dos quais é alvo. Para eles, o militar passou de “fiel assessor” para se tornar “um bode expiatório”. Eles perguntaram de onde partiam as ordens e quais foram as determinações do ex-presidente em relação a atos como as possíveis fraudes nos cartões de vacina, a tentativa de se apropriar de joias sauditas interceptadas pela Receita Federal e das mensagens que pediam, por exemplo, apoio a uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) como uma estratégia de ação contra o governo eleito.
— Todos os fatos que estão arrolados falam pelo senhor. Está claro para todos nós aqui, independentemente de quem apoiava Bolsonaro ou não, que o senhor sabe de tudo. Aliás, é um depoimento, para nós, que seria muito importante se o senhor estivesse falando, mas mesmo que o senhor não fale, está claro para nós que o senhor sabia de tudo e participou de tudo durante o governo Bolsonaro. Se tem uma pessoa que sabe detalhadamente de tudo o que ocorreu no governo e de todos os crimes cometidos, em que o senhor se envolveu ou não se envolveu diretamente, é o senhor — acrescentou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
“Herói”
Já na opinião de parlamentares da oposição, Mauro Cid é hoje um “preso político”. Eles disseram que a atuação do militar nos quatro anos como ajudante de ordens de Bolsonaro esteve estritamente relacionada à sua competência no assessoramento. Para eles, nenhuma mensagem ou fato indica qualquer intervenção ou ordem de Jair Bolsonaro para estimular ataques à democracia, ruptura institucional ou invasão dos prédios dos Três Poderes.
— Nós vivemos no Brasil, hoje, perseguição política, democracia relativa, censura seletiva, arbitrariedades judiciais e a total quebra do Estado Democrático de Direito. Há um desordenamento jurídico geral, inclusive no escopo desta CPMI, que vem convocar o senhor sem o menor vínculo com o 8 de Janeiro. Que esta CPMI volte ao seu escopo principal e perquira aqui os vândalos, a responsabilização dos vândalos, das omissões das autoridades públicas do governo Lula — disse o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ).
Na avaliação dos oposicionistas, muitos deles se referindo ao militar como amigo, a prisão de Mauro Cid é arbitrária, não atende aos devidos processos legais e acontece para, na visão deles, não jogar luz às omissões de responsabilidade que eles consideram ser de competência do governo federal. Para o deputado Marco Feliciano (PL-SP), o tenente-coronel ainda será considerado um herói.
— A narrativa que tenta aqui ser construída é de que houve uma trama pra se dar um golpe no país, um golpe feito com Bíblia e, eu vou dizer aqui sempre, feito com orações, um golpe feito com o cântico do Hino Nacional e as cores verde e amarelo o encabeçando. Esse é o golpe que aqui querem atribuir a inocentes e ao presidente Jair Messias Bolsonaro. É claro que houve vândalos e esses, sim, têm que ser punidos, mas não pessoas inocentes — afirmou.
O deputado Filipe Barros (PL-PR) também questionou as motivações para a prisão do militar. Ele citou manifestação da vice-procuradora da República, Lindôra Araújo defendendo a sua revogação. A estratégia, segundo ele, é a “pesca de provas” para corroborar com as “narrativas impostas pela justiça antes do início do inquérito”.
— Me parece que essa prisão, para averiguação do coronel Cid uma tentativa de lavar as provas obtidas de maneira ilegal dentro da decisão do ministro Alexandre de Moraes, relativas ao 8 de Janeiro. Aí prendem o coronel Cid, ameaçam a sua família, proíbem as suas visitas e apreendem seu celular. Para lavar as provas que já tinham sido obtidas por uma decisão de janeiro. Eu não posso afirmar isso com todas as letras, mas é o que me parece — disse, ao criticar o sigilo dos inquéritos.
“Agentes da omissão”
Para os senadores Magno Malta (PL-ES), Esperidião Amin (PP-SC) e Izalci Lucas (PSDB-DF), até o momento, a sequências dos depoimentos na CPMI não respeita o escopo que serviu de base para criação da CPMI. Na opinião deles, a comissão deveria esclarecer eventuais omissões por parte do governo federal, postergando o desenvolvimento dessa linha investigatória.
— Se você sabe muito, G. Dias sabe muito mais. Se abrir o sigilo de G. Dias e da família de G. Dias vão encontrar mais coisas do que no seu celular e da sua esposa. E G. Dias é tão leal e com certamente vai ficar calado quando vier aqui. Não sei se vai ter a mesma coragem que ele teve ao falar à Polícia Federal, ao falar na CPI do Distrito Federal quando ele abriu o verbo e deu os nomes — afirmou Magno Malta ao se referir ao ex-ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República (GSI), militar nomeado e posteriormente exonerado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Esperidião Amin reforçou as críticas.
— A nossa CPMI está ocupando o quinto vagão da composição investigatória que nós temos dever histórico de fazer do que aconteceu no dia 8 de Janeiro. Porque todos os que vieram depor aqui e que foram priorizados pela CPMI já passaram por quatro lugares, no mínimo [Polícia Federal, Ministério Público, Judiciário, outras instâncias de investigação]. Portanto, é impossível extrair alguma novidade. Agora nenhum dos chamados agentes da omissão foram chamados até agora — declarou o senador.
Família
Em mais uma tentativa de obter respostas do depoente, parlamentares como o deputado Duarte Junior (PSB-MA) comentaram a troca de mensagens da mulher do militar, Gabriela Cid, com Ticiana Haas Villas Bôas, filha do general Eduardo Villas Bôas. Elas aparecem em conversas por aplicativo de mensagem encontradas pela Polícia Federal. As mensagens incentivariam uma invasão em Brasília com a participação de caminhoneiros. O deputado defendeu a convocação de Gabriela Cid.
— Infelizmente, na falta de resposta do senhor Mauro Cid, eu quero ratificar aqui que nós estamos, dadas as suspeitas de enriquecimento ilícito e de envolvimento da sua família, Mauro Cid, na organização criminosa, nós estamos requerendo a quebra dos sigilos telefônicos e fiscal do seu pai, seu irmão e da sua esposa. Para que esses fatos que o senhor não esclareceu possam ser esclarecidos — disse Duarte Junior.
Já a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) quis saber o por quê de Gabriela Cid confessar, em depoimento a Polícia Federal, que o marido fraudou a documentação sobre vacina. Para ela, há uma orientação para que o silêncio do militar beneficie, na visão dela, quem, no seu entender, estava por trás das eventuais ordens ao tenente-coronel.
— A sua esposa mentiu em depoimento, atuou contra o senhor em defesa de Jair Bolsonaro. E daí se depreende novamente que há sim, alguma coação. Porque não é possível que o senhor permita que a sua família seja exposta dessa maneira. Seu pai, seu irmão, dentre outras pessoas estão completamente nesta teia de crimes que vocês estão assumindo pelo silêncio — direcionou Soraya ao depoente.
Defesa
Os requerimentos pelas quebras de sigilo de Gabriela Cid e demais familiares do militar acabaram não sendo aprovados. O senador Sérgio Moro (União-PR) aplaudiu a decisão. Ele disse ser preciso respeitar a “individualização” das condutas.
— Foi muito salutar hoje, terem sido retirados ou não terem sido votados esses requerimentos, mas para aqueles que fizeram os requerimentos, apontando esposas, filhos, filhas como investigados, aqui eu sugeriria uma reflexão: se não estamos dando um passo além do que deveríamos e caminhando para alguma espécie de excesso — disse Moro, para quem também não é possível afirmar a culpa do depoente apenas por ter se mantido calado.
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), defendeu o ex-ajudante de ordens da Presidência da República. Para ele, tenente-coronel é tratado como se já estivesse condenado, quando os inquéritos a que responde ainda estão em andamento. Para o senador, apesar das acusações, Mauro Cid se manteve calmo durante o depoimento.
— Sei que eu não precisaria falar isso, mas percebo que o senhor fica inabalado. E é assim mesmo que tem que ficar, porque, vindo de quem vêm essas acusações criminosas, caluniosas, o que cabe ao senhor, neste momento, fazer é assim mesmo: manter a sua serenidade, a sua tranquilidade, a sua paciência, e não se deixar cair em tentativas de armadilhas — disse Flávio Bolsonaro.
Farda do Exército
Parlamentares manifestaram surpresa pelo uso da farda pelo tenente-coronel, especialmente pelo fato de o Exército ter emitido nota segundo a qual Mauro Cid foi orientado pela própria instituição a comparecer fardado à comissão parlamentar de inquérito. De acordo com a nota, a decisão ocorreu “pelo entendimento de que o militar da ativa foi convocado para tratar de temas referentes à função para a qual fora designado pela Força”, ou seja, por sua atuação como ajudante de ordens do ex-presidente.
— Aí, presidente, é que eu entendo menos, porque se para mim isso foi assustador […]. Imaginar que ele recebeu a ordem para estar fardado… Eu só não entendi porque que não deram a ordem para o coronel da semana passada. Qual é a diferença entre o coronel desta semana e o coronel da semana passada? — perguntou a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) se referindo ao coronel Jean Lawand Júnior, que prestou depoimento à CPMI sem uso da vestimenta e também permaneceu calado.
Fonte: Agência Senado