No extremo norte do Tocantins, o Projeto Sampaio nasceu no início dos anos 2000 com o objetivo de transformar a economia e a vida de centenas de famílias por meio da irrigação. Com uma área de 1.070 hectares planejada para o cultivo de frutas e grãos, o projeto prometia não apenas elevar a renda dos agricultores, mas também combater a pobreza em uma das regiões mais desfavorecidas do país. Duas décadas e quase R$ 200 milhões depois, os benefícios esperados ainda não chegaram. A realidade, segundo os moradores e críticos, é uma infraestrutura negligenciada e uma promessa de desenvolvimento que nunca se concretizou.
A Vida sem Estrutura: “A Energia é Um Direito”
Para os cerca de 599 agricultores que tentam construir uma vida produtiva no Projeto Sampaio, a espera por melhorias tem sido longa e exaustiva. Um dos elementos mais básicos e esperados, o fornecimento de eletricidade, só começou a ser discutido formalmente em 2023. A assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o governo estadual, a concessionária Energisa e outros órgãos visava, finalmente, prover eletricidade às famílias que lutam por uma vida digna. Mas o atraso de quase dez anos questiona a eficácia e o comprometimento do governo com esses assentamentos. Para Amélio Cayres, presidente da Assembleia Legislativa do Tocantins, essa infraestrutura é essencial para qualquer atividade agrícola ou doméstica, e a sua ausência compromete a sobrevivência de uma comunidade inteira, que segue vivendo sem serviços básicos considerados, em suas palavras, “um direito de todo cidadão”.
Essas limitações não são apenas um detalhe técnico; elas impactam diretamente a capacidade produtiva das famílias, que continuam trabalhando em condições rudimentares. Com a instalação de energia, os agricultores poderão duplicar a área de plantio e facilitar o acesso a recursos como irrigação e poços d’água. No entanto, para muitos moradores, a eletricidade representa mais do que um impulso agrícola: ela simboliza um resgate de sua dignidade, uma esperança de que as promessas do projeto possam, enfim, sair do papel.
Um Projeto de Irrigação sem Água
A falta de eletricidade é apenas uma parte do problema. Idealizado para ser um projeto modelo de irrigação, o Projeto Sampaio enfrenta uma realidade paradoxal: a escassez de água. Embora as estruturas de captação, bombeamento e drenagem estejam parcialmente concluídas, a falta de manutenção e o abandono das obras deixaram os agricultores sem acesso ao recurso vital. Hoje, muitos dependem de cisternas ou precisam percorrer longas distâncias para garantir água, seja para o consumo próprio, seja para suas lavouras. A dependência de métodos artesanais não só limita a produção agrícola, mas também gera insegurança entre os moradores, que afirmam não ter certeza se continuarão ali devido às condições precárias de produção.
Movimentos Sociais e a Reivindicação por Reforma Agrária
O fracasso na execução do projeto despertou em 2014 a atenção de movimentos como o MST, que denuncia o desperdício de recursos públicos e as condições precárias da área. Nos últimos anos, mais de 150 famílias do MST ocuparam parte das terras do Projeto Sampaio, reivindicando que a área fosse destinada a assentamentos de reforma agrária. Segundo o movimento, o projeto consome recursos sem oferecer qualquer benefício real à comunidade, tornando-se um exemplo de má gestão pública.
Para o MST, a solução ideal seria redirecionar as terras para pequenos agricultores interessados em praticar a agroecologia. Essa alternativa, defendem, permitiria um uso mais sustentável e produtivo das terras, promovendo a segurança alimentar e o desenvolvimento econômico local. Além disso, os representantes do movimento destacam que esse modelo agroecológico seria uma resposta ao modelo de agronegócio, considerado prejudicial ao meio ambiente e à saúde pública devido ao uso intensivo de agrotóxicos.
O Caminho para um Futuro Sustentável
À medida que o governo estadual enfrenta críticas pela condução do Projeto Sampaio, a necessidade de soluções viáveis se torna urgente. A implementação de energia elétrica e o acesso adequado à água são passos essenciais, mas talvez insuficientes. Para que o projeto finalmente cumpra sua promessa, uma abordagem mais colaborativa com a comunidade e uma revisão dos modelos de gestão e execução de obras públicas se mostram indispensáveis.
No longo prazo, o Projeto Sampaio poderia, sim, ser um modelo de desenvolvimento rural sustentável, especialmente em uma região que sofre com altos índices de pobreza e baixo IDH. Mas para que isso se concretize, é preciso que os gestores tratem o acesso a esses recursos básicos como uma prioridade, garantindo que os investimentos futuros realmente beneficiem a comunidade e não se tornem apenas mais uma história de desperdício de recursos públicos. A agricultura familiar, a agroecologia e uma gestão pública mais inclusiva poderiam não só transformar o cenário de Sampaio, mas também servir de exemplo para outras regiões rurais no Brasil.
Os olhos da comunidade e dos movimentos sociais permanecem atentos, aguardando que promessas sejam, enfim, substituídas por ações concretas que respeitem e valorizem a população local.